segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O lidar com o deficiente - I

Paciência tem limite!

Sentia-me mal e fui a um pronto-socorro. Estava com um princípio de bronquite, como me informaram depois.

Ganhei uma pulseira colorida, que indicava atendimento prioritário pelo fato de ser cadeirante. Não percebi nenhuma prioridade, o que, aliás, não faria sentido, pois em um pronto-socorro a ordem de prioridade deve decorrer da urgência e gravidade do estado do paciente, e não de outros fatores.

Em geral, sou um paciente (com o perdão do trocadilho) um tanto impaciente. Não porque reclame de tudo ou faça escândalo, como alguns, mas porque não aceito as coisas passivamente, sem questionamentos, e porque não admito ser tratado como criança. Sempre quero saber o que está acontecendo, o que estão injetando na minha veia e qual a finalidade. É um direito que tenho e as informações sobre o que se passa me tranqüilizam, por pior que possa ser o quadro. Ademais, em parceria com médicos que ouvem seus pacientes, sempre chegamos, eles e eu, a excelentes resultados.

Lembro-me de inúmeras situações em que a minha "impaciência" foi importante. Numa delas, um enfermeiro queria a todo custo inserir um cateter na minha uretra para colher urina e mandar a exame. Apesar de trabalhar num bom hospital, ele não conseguia parar, ouvir e entender que, apesar de me locomover em uma cadeira de rodas, eu seria capaz de fazer a assepsia e, em pouco tempo, urinar, por mim mesmo, no recipiente apropriado. Só depois de alguma insistência e certa ênfase, compreendeu.

Mas voltemos ao dia do meu princípio de bronquite. Depois de me examinar, o médico solicitou uma radiografia do pulmão. Então, apareceu uma enfermeira que simplesmente desconsiderava a minha presença ali e dirigia todas as perguntas a minha esposa, como se eu não pudesse respondê-las: "Ele precisa de ajuda para fazer transferência?"; "Ele tem controle de tronco?"; etc. Não demorou muito e perdi a paciência. Afinal, "Ele" era EU e eu estava ali! Entrei na conversa, fiz cara de espanto e também passei a referir-me, a mim próprio, na terceira pessoa: - Não se preocupe, "Ele" consegue fazer a transferência; "Ele" tem controle de tronco; etc.

Realmente não entendo porque algumas pessoas têm dificuldade em perceber que muitos portadores de deficiência têm RG e CPF, estudaram, trabalham, pagam impostos e são capazes de responder por si próprios. Alguns, como é meu caso, até sustentam a família. Esta falta de percepção revela total despreparo para tratar com o deficiente e traz em si um enorme preconceito. Aliás, o pior deles, pois supõe a incapacidade do portador de deficiência física de responder por si próprio.

Já é muito difícil aceitar esse tipo de preconceito quando vem de pessoas leigas. Quando vem de profissionais da área de saúde, como no caso, simplesmente não dá para engolir.

Então, se você tiver alguma deficiência e passar por situação similar, reaja e mostre que você é senhor (a) de si. Agora, se está do outro lado, isto é, se for tratar com um deficiente, fale diretamente com ele, trate-o normalmente, sem preconceitos ou suposições precipitadas. Afinal, ele pode ficar impaciente.

É isto.

11 comentários:

Odele Souza disse...

João,

É isto.

Imagino como deve ter sido irritante pra você: A enfermeira dirigir as perguntas a sua esposa quando lhe poderia perguntar diretamente.


Infelizmente muitos profissonais da área da saúde não estão preparados para lidar com pessoas nas suas condiçoes e nas condiçoes de Flavia. Falta sobretudo bom senso.

Muitas vezes, a forma como tratam as pessoas com necessidades especiais,
acaba por "nos tirar do sério" e passemos a ser considerados "pessoas difíceis", quando estamos apenas exercendo os nossos direitos.

Beijos.

Sonia disse...

João,

Vou me estender um pouco mais hoje, vc tem paciência? rsss

Sua impaciência tem total legitimidade. Não sou advogada - meu marido era, mas sou muito questionadora e sempre alerta na defesa dos meus sagrados direitos de cidadã. Ser ignorada, tratada como um "dois de paus", como diria minha mãe, nem pensar.

Aliás, quando vou a médicos, faço exames ou sou hospitalizada, exijo que eles conversem comigo e digam para mim e só para mim o resultado dos exames, das cirurgias e os diagnósticos, a não ser que eu esteja inconsciente.

Já abro a conversa com eles com esse costumeiro discurso: - Doutor,qualquer informação sobre minha saúde, fale diretamente comigo e não com pessoas da minha família. Se eu estiver com alguma doença grave, quero ser a primeira a saber para decidir o que fazer com a informação.

Imagino a sua indignação diante do despreparo do pessoal da área de saúde. Haja paciência... e eu não tenho numa hora dessas. Pelo contrário, preciso controlar minha assertividade.

Por exemplo, qdo levamos nosso pai de quase 100 anos à emergência cardiológica, numa cadeira de rodas, o médico, que era o mesmo meu, disse-me que teria que internar meu pai para fazer alguns exames e que eu o preparasse pra isso. Eu lhe respondi na hora: - Diga isso diretamente pra ele. E ele não teve saída. Afinal, meu pai estava lúcido, em pleno uso das suas faculdades mentais e tinha esse direito.

As pessoas que os acham difíceis, estão escondendo suas próprias dificuldades.

Bjs

Anônimo disse...

É isto aí Dr.João, mais do que ter CPF e RG e sustentar a familia, deficiente tem cérebro e precisa ser respeitado como ser pensante e que, em absoluto, não é diferente de ninguém, apenas porque convive com algum tipo de incapacidade.

Isabel Filipe disse...

"Já é muito difícil aceitar esse tipo de preconceito quando vem de pessoas leigas. Quando vem de profissionais da área de saúde, como no caso, simplesmente não dá para engolir.


"


tens toda a razão João ... não há paciência para se ver burrices da parte de profissionais de saúde .

beijinhos

João Vicente Lavieri disse...

Amigas, amigos... Mil perdões!
Estou em débito com todos vocês...

Tenho tido muitos compromissos profissionais e pessoais e tem me faltado tempo para transitar pela blogosfera.

Prometo, ao longo da semana, responder individualmente os comentários de vocês, sempre tão enriquecedores. Mesmo que tardiamente, não posso furtar-me a comentá-los.

Irei, também, visitar vossos blogs para deliciar-me com as novidades.

Bom, preciso ir, pois amanhã acordarei de madrugada - esforço hérculeo, no meu caso, que, como diz Chico, "faço samba e amor até mais tarde [olha a minha 'banca'], e sinto muito sono de manhã".

Bjs e Abrs,
Joao

Evandro disse...

João, esse lance das injeções...já vi cada coisa no Sarah e em outros lugares. Mas não é culpa apenas de enfermeiros e médicos, não, os maiores culpados são os "malacabados" mesmo!
Não sei se é por preguiça, desinteresse ou muita humildade a ponto de ter medo de questionar. Tipo boi preso no brete esperando a vacina que vem em sequencia.

Abraço
ps.: vou add no meu blog, valeu?!

João Vicente Lavieri disse...

Oi, Odele.
É, muitas vezes nos olham como se fossemos pessoas passivas, entregues às nossas mazelas, vítimas. Quando mostramos alguma assertividade, que somos os protagonistas de nossos destinos, a coisa se inverte, e nos veêm como pessoas ríspidas, ásperas.
Por sorte, ainda há alguns que primeiro nos conhecem e, com o tempo, vão formando suas opiniôes.

Abrs,

João Vicente Lavieri disse...

Sonia,
Muito legal. Adorei a história do seu pai. Isso sim é que é respeito e consideração.
Bjs,

João Vicente Lavieri disse...

É isso ai, Luiz. Obrigado pela visita.
E ai, dando duro no blog?
Abrs,

João Vicente Lavieri disse...

Isabel,
O mínimo que se espera de um profissional de saúde é que esteja acostumado com dadas situações, saiba lida com os mais diferentes problemas e pacientes sem preconceitos. Afinal, esse é o trabalho, o dia-a-dia deles, não é mesmo?!
Bjs,

João Vicente Lavieri disse...

Oi, Evandro.
Pô, vc tem toda razão. Nós somos os primeiros que temos de nos concientizar e, de fato, atuarmos como protagonistas de nossas vidas. Se não o fazemos, se agimos só como alvo das ações e decisões dos outros, como podemos querer, um dia, sermos respeitados?!

Obrigado pela visita e por adicionar meu blog ao seu. Eu já te adicionei há algum tempo.

Abrs,